1 de outubro de 2010

Primavera e Helicônia


"A primavera chegará,
mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário,
nem possua jardim para recebê-la."
                                                          por   Cecilia Meireles









Helicônia
técnica: aquarela
med 12 x 17 cm
provavelmente 2000






  
É a mais bela estação de todas!

27 de agosto de 2010

Borboleta e Tempo


Tempo
por Rabindranath Tagore
Tradução Flávia Venturoli de Miranda

As borboletas contam não meses mas momentos,
e têm tempo suficiente

Tempo é a riqueza da mudança
mas o relógio em sua paródia
torna-o meramente mudança sem riqueza

Deixe sua vida dançar levemente nos limites do Tempo



Borboleta
técnica: desenho
a lapis aquarela sobre canson
med  12 x 16,5cm
provavelmente 2008

Adoro flores e borboletas,
mas o tempo consome minhas horas
e não me sobra para desenhá-las.
                                       FVM

25 de julho de 2010

Mitologias Artísticas de Walter Miranda

 “Os seres humanos sempre foram criadores de mitos.” 1
de Flávia Venturoli Miranda
11.abril.2010
Quando Walter Miranda escreve que, com seus quadros, tenta juntar a emoção à razão, ele está sendo um reducionista. Aliás o tanto que ele sintetiza em obras plásticas, eu prolixamente analiso suas obras em pensamentos e tento expressar em palavras. O símbolo visual expressa imediatamente, muito além do que a palavra possibilita (O eterno dilema indiano nome versus forma – nama x rupa).

Graças a influências fraternais, sempre gostei das mitologias, e ao estudar sua estrutura tomei ciência que Walter é um narrador de mitos. Então vamos às definições: O que é Mito?
“O mito desempenha uma função indispensável, ele exprime, enaltece e codifica a crença, salvaguarda e impõe os princípios morais, garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. O mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana...” (MALINOWSKI, 1926 apud ELIADE 2007, pg 23)2
São Bernardo do Campo - Prova de Contato III

Agora aos fatos: Walter tem uma devoção à vida e ao planeta. Trabalha constantemente com as questões filosóficas expressas em símbolos pictóricos, mas também musicais, cinematográficos, literários e religiosos, reinterpretados pictoricamente (basta ver a quantidade de referências em suas obras).

Desde de suas primeiras séries ele lida com o mito do herói, dos defensores da democracia, da liberdade de expressão, da cidadania. Ele mesmo é o herói na sua obra de 1977, “Esperança é a Última que Morre”. Na sua fase ecológica, conta os mitos do Chefe Seattle, do Admirável Mundo Novo, do Big Brother de 1984, todos esses são tanto mitos de criação como escatológicos, ou seja de extinção. Suas obras falam da “filosofia perene” que dá sentido ao inatingível da experiência humana: a justiça universal, a compaixão incondicional, a esperança da renovação eterna da humanidade, risco de extinção física, cultural e das espécies, a gnose mística da tomada de consciência e da ação.

Projeto Seattle: Exaltação a Gaia - Nada de Novo no Front III com Alma

Quando escrevi a “Fruição do Olhar”, não tinha noção da dimensão do Tempo Forte, que Mircea Eliade (2007) se refere. Naquele texto dissertei, sem saber, sobre o Tempo Sagrado, o tempo que pára com a contemplação e que ao mesmo tempo se renova a cada olhar. Ao passear pela obra por um tempo sem início e sem fim (já que obra encerra um ciclo em si mesma), se vive e revive a história narrada na obra. Cada vez que apreendemos um novo detalhe reatualizamos o mito pictórico. Isso é uma experiência “religiosa”, mágica e sacra, é esotérica, pois nos conduz a reflexão sobre nosso comportamento e sobre os paradigmas das nossas ações. É um mito ontológico (da busca de si) e soteriológico (de salvação). Não trata da história do mundo apenas, mas trata de como eu, Humano, lido com esse mundo. Como eu, "homo technologicus”, redimo-me dos meus atos. O ritual da “Fruição do Olhar” das obras Walterianas nos aproxima do extremo, do que está além da expressão e reconta o mito de extinção, o milenarismo cristão, que promete o eterno retorno a origem, do recomeço ideal.

Os mitos das séries Admirável Mundos Novos, Velhos e Futuros (novamente o millenium) é cosmogônico, nos transporta a uma recriação mágica do mundo para que recontando nossos acertos e desacertos, possamos curar nossas feridas contemporâneas, de abusos racionalmente tecnológicos.

Oratório II
Walter sacraliza a Terra! Invoca a pictórica e liturgicamente em praticamente todos os quadros. Os diversos oratórios, livros, exaltações à Terra são preces tridimensionais. Na série de 2010, Réquiem a Gaia, fala-nos do sacrilégio do esquecimento do planeta como fonte da vida. Como se invertesse a filosofia Sânquia (Samkhya), que ao distinguir o Si mesmo (Purusha) da Natureza (Prakrti), o verdadeiro conhecimento residiria na própria Natureza. Desse modo retoma o culto monista da Deusa Mãe que é o Si mesmo e é a Natureza. A Deusa Gaia, Terra, é generosa com sua criação e também pode mesmo ser uma força primitiva perigosa ao retomar ao Axis Mundi.

Doutrina Bush - O Espantalho da Morte
As narrativas mitológicas das obras de Walter Miranda contraria a iniciação das pseudo-invenções contemporâneas, pois tem uma narrativa acessível. Embora seja épica, não traz a dificuldade redentora que só os escolhidos da intelligentsia acessarão. Talvez Walter cansado das fábulas incontestáveis da razão, traga acessível a verdade do sagrado. Penso que aqui està sua inovação da Arte. O renascimento e a epifânia da mitologia artística contemporânea que prenuncia o lenitivo das perspectivas de extinção e vazios do 3º milênio.
Réquiem a Gaia - Estigma do Chefe Seattle - Mundi I
 ____________________

1 ARMSTRONG, Karen. Breve História do Mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pg 7.
2  ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 2a reimpr. da 6a ed. São Paulo. Perspectiva. 2007, pg 23.

11 de abril de 2010

A Fruição do Olhar

 Maio/2001
por Flávia Venturoli Miranda

Venho analisando atentamente as obras do artista plástico Walter Miranda no decorrer de sua dinâmica carreira. Nela vê-se uma evolução crescente, onde já estava latente o trabalho atual, nas obras mais antigas.

Em uma breve análise, nota-se que a temática social e humanista sempre foi constante.  O uso de colagens vem de 1977; as silhuetas, bem como seu estilo de pintura "espirrada" surgem em 1981. A inserção de objetos, como no seu trabalho sobre a Guerra das Malvinas, no qual o quadro passa a ser tridimensional, surge em 1982.
título: XADREZ BÉLICO - XEQUE ARGENTINO
técnica: óleo sobre madeira + objeto
dimensões: 50 x 35 cm
ano: 1982

Walter Miranda
Em 1983, inicia o trabalho de alto e baixo-relevo e a composição geométrica, onde cada parte se relaciona com as demais, que por si só são independentes. Também em 1983, na série 1984, o estigma de George Orwell, além da crítica da política econômica brasileira quando estiliza as figuras humanas (que ficam parecidas com robôs), já se antevê sua futura discussão sobre a massificação humana em grande escala.
título: 1984 - ESTIGMA DE GEORGE ORWELL VI
técnica: óleo sobre papelão de fabricação própria
dimensões: 80 x 60 cm
ano: 1983
Walter Miranda
 Nas obras da série sobre Beethoven, podem ser vistas as fusões destes vários estilos de representação artística junto com trabalho de pintura abstrata e pesquisa de cores. Cada vez mais os temas de caráter universal tomam lugar em suas obras, como a massificação do povo, a fome, a injustiça, etc.

título: PROJETO BEETHOVEN TRANSPOSIÇÃO SINFÔNICA IX
técnica: óleo + lápis de cor sobre papelão calandrado
dimensões: 70 x 50 cm
ano: 1984

Walter Miranda
Em 1986, inicia a longa série Admirável Mundo Novo, onde os temas sociais e ideológicos juntam-se à questão da ecologia global. Com o trabalho mais abstrato, com a composição construtivista e sem perder o figurativo, trabalha os temas de uma maneira mais subjetiva, permitindo que o espectador chegue a conclusões próprias. Nesta fase surge também o uso de peças de computador e, profundamente influenciado por seus estudos sobre matemática e física, usa a relação áurea como ferramenta básica de suas composições.






título: ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - ALGEMAS TECNOLÓGICAS
técnica: óleo + objetos sobre duratex
dimensões: 69 x 50 cm
ano: 1992
Walter Miranda




Em 1989, começa a utilizar animais encontrados mortos. Em 1991 inova ao usar chapa de ferro perfurada como suporte. Percebe-se uma constante procura por suportes heterodoxos que variam desde a própria fabricação de papelão, até o uso de chapas de ferro ou de placas de computador. Nos seus trabalhos de 1992, propõe, de uma maneira sutil, porém enfática, a busca do equilíbrio humano com a tecnologia, através da representação de bailarinos.



título: DA CAVERNA DE PLATÃO À DICOTOMIA DE UM SENÃO I -1- detalhe
técnica: laca acrílica + objetos sobre chapa de ferro perfurada
dimensões: 61,8 x 100 cm
ano: 1991 Walter Miranda








título: ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - TEMPOS ÁUREOS
técnica: óleo sobre papelão de fabricação própria + objetos
dimensões: 75 x 60 cm
ano: 1986

Walter Miranda

O trabalho sobre o chefe indígena Seattle, Projeto Seattle - Exaltação a Gaia - de 1996, é uma síntese bem clara de uma carreira artística e de uma busca constante pela justiça, pela coerência de atitudes. É uma visão que nos mostra humildade perante a mãe Terra - Gaia, presente em todos os quadros da série. O homem é questionado sobre a incoerência de seu desenvolvimento desestruturado que criou sua desintegração com a natureza. Sempre trabalhado de maneira clara e limpa, meticulosamente composto e rico em detalhes, o tema é desenvolvido em cada quadro através do fracionamento racional de retângulos com subtemas. O uso da espiral logarítmica une os subtemas com sua linha orgânica contrapondo-se à rigidez matemática dos retângulos áureos. Inovando, como sempre, e atualizado com seu tempo, Walter começa a inserir em seus trabalhos imagens digitalizadas, criadas e trabalhadas com grande domínio na computação gráfica. Nestes trabalhos inicia o uso mais intenso de cores e a pesquisa de texturas, dando mais vitalidade ao tema, que trata da ecologia mundial, sem nunca perder a oportunidade de questionar a atitude humana frente aos problemas sociais, ideológicos e tecnológicos, como também de buscar de soluções para o retorno ao equilíbrio global.

título: PROJETO SEATTLE: EXALTAÇÃO A GAIA - IRMÃOS DE GAIA I
técnica: óleo + objetos sobre madeira
dimensões: 122 x 75,4 cm
ano: 1996
Walter Miranda
Em 1998, na série Admirável Nova Idade Média, explora as analogias atemporais do mundo às portas do século XXI com a Idade Média. Contrapõe de maneira irônica e dramática o mundo altamente tecnológico que ainda não conseguiu se desvencilhar da qualidade de (sub)vida da Idade Média. Walter, ao mostrar as similaridades do nosso tempo com o passado, faz crítica social, econômica, ecológica, tecnológica e sobretudo filosófica. A série Admirável Nova Idade Média é um bom exercício de reflexão contemporânea sobre a qualidade (virtual, talvez) da vida moderna. Esses questionamentos surgem nos quadros através da abordagem de situações opostas, imagens novas e antigas sobre os diferentes assuntos em que se assemelham as duas eras. O artista prossegue seu debate das questões humanas e sociais. Continua também sua pesquisa pictórica de composição, cor, textura, inserção de objetos e imagens digitalizadas. O contraponto também ocorre em suas obras quando usa a tradicional técnica da pintura a óleo aliada às técnicas contemporâneas de interferências tridimensionais e de imagens trabalhadas no computador. O artista plástico e o artista eletrônico coexistem no mesmo plano, que é bi e tridimensional simultaneamente.
título: ADMIRÁVEL NOVA IDADE MÉDIA - GARRAS TECNOLÓGICAS II
técnica: óleo + imagens digitalizadas + objetos sobre duratex
dimensões: 161,8 x 100 cm
ano: 2002
Walter Miranda
Já na série Admirável Novo Milênio de 1999, aborda questões filosóficas, científicas, ambientais, religiosas, místicas, etc., referentes à situação humana neste início de terceiro milênio, através da utilização de pintura a óleo e da virtual computação gráfica, sempre aliadas à incorporação de objetos representativos do momento tecnológico atual (placas de computador, disquetes), elementos naturais (folhas e sementes de plantas) e objetos do cotidiano (jóias, selos, etc.). Nessa série, Walter dá mais um salto inovador em seu desenvolvimento artístico ao utilizar apenas recursos da computação gráfica para criar alguns quadros inteiramente virtuais que efetivamente só existem na forma digital (mesmo sendo possível sua impressão), levantando a questão para o observador sobre o que é virtual e o que é real. A polêmica dessa vez é sobre o quanto somos iludidos pelos sentidos, já que a sutil diferença entre o real e o virtual começa a se imiscuir em várias 
outras situações da vida moderna cotidiana, a ponto de haver sido criada a expressão "realidade virtual".



título: ADMIRÁVEL NOVO MILÊNIO - REALE ET VIRTUALE - ESPERANÇA
técnica: computação gráfica, arte digital
dimensões:
45 x 70 cm
ano: 2000
Walter Miranda

título: ADMIRÁVEL NOVO MILÊNIO - IDOLATRIA TECNOLÓGICA XIII
técnica: óleo + objetos sobre papelão de fabricação caseira
dimensões: 80 x 60 cm
ano: 2002
Walter Miranda
saiba mais sobre essa obra
Como se vê, seu trabalho prossegue agregando das obras anteriores as discussões, polêmicas, reflexões e também as inserções de objetos recorrentes somadas aos do novo contexto em debate. É um processo cumulativo de idéias, ideais e técnicas, mas com objetivos em comum. É como, se Walter tivesse a ânsia de adquirir e absorver todo o conhecimento e experiência da humanidade para expressar através de sua obra a necessidade do resgate da dignidade humana.

Nos trabalhos de 2001, Walter retoma o desenvolvimento da série Admirável Nova Idade Média (revisitada) usando a criança como tema para efetuar as comparações entre os dias de hoje e da Idade Média, prosseguindo suas pesquisas e sua evolução técnica do uso do computador apenas como mais uma ferramenta de expressão artística e não como objeto da Arte propriamente dita.

título ADMIRÁVEL NOVO MILÊNIO - FILHOS DE GAIA IV
técnica: óleo + objetos sobre madeira
dimensões: 65 x 35 cm
ano: 2002
Walter Miranda
Um outro trabalho interessante de 2001 é o Livro de Gaia, composto de 3 placas de computador unidas formando um livro. Cada placa é uma página, a primeira, a capa do livro, trata do desenvolvimento do Homem da pré-história à Antigüidade, a segunda trata do período da Antiguidade até a Revolução Industrial e a última trata da fase da Revolução Industrial até os dias atuais. As placas de computador tiveram seus componentes eletrônicos rearranjados para melhor dispor os elementos figurativos na composição. Cada página contém objetos e/ou imagens relacionados ao tema como: na capa - pedra lascada, pinturas rupestres, trigo, escrita cuneiforme, eclipse solar; na página dois - espirais matemáticas, figura humana por Da Vinci, mapa mundi, peças mecânicas; na última página - cogumelo atômico, urubus sobre um lixão, o relógio destruído pela bomba em Hiroshima, buraco de ozônio. O próprio livro da Terra é um hardware de computação, que tem a função, e ai está analogia, de armazenar e computar informações. Walter levanta a questão sobre a função bioevolutiva do Homem ser talvez um grande armazenador de informação e conhecimento, formando toda a humanidade (o hardware) um ser único que contém toda a informação (um grande banco de dados, software) suficiente para computar a sabedoria em relação a si e ao planeta.
título: LIVRO DE GAIA I
técnica: placa de computador + objetos + imagens digitalizadas
dimensões: 26 x 27 x 5,5 cm
ano: 2001
Walter Miranda
Os trabalhos de Walter são sempre instigantes e reflexivos. Tomam-nos tempo pois precisamos observar atentamente a riqueza de informações altamente intrincadas e relacionadas a questões sérias e profundas, que nos trazem de volta a fruição de olhar horas a fio para uma obra.


***

9 de abril de 2010

Olhar

Yoga é a cessão das modificações do campo da mente
 Desse modo o observador se assenta na sua real natureza
Yoga Sutra I-2 e 3 


Olhar
de Flávia Venturoli Miranda 
técnica: Aquarela
provavelmente 1996

20 de janeiro de 2010

Navegar é Preciso


Navigare Necesse Est,
Vivere Non Est Necesse
de Gnaeus Pompeius Magnus 48 a.C (segundo Plutarco)

de Fernando Pessoa






O Barco
desenho em grafite
med 25 x 20 






Muitas vezes desenhar me ajuda a aquietar.
Gosto desse desenho porque é bem reflexivo. 
Como fiz  em grafite, ficou ainda mais soturno.
 

02:45  Áudio

O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não

Navegar é preciso
Viver não é preciso

O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto, perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada

Navegar é preciso
Viver não é preciso

O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio

Navegar é preciso
Viver não é preciso